quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Homenagem ao meu irmão

O Fantasma e a Canção

Orgulho! desce os olhos dos céus sobre ti mesmo,
e vê como os nomes mais poderosos
vão se refugiar numa canção. BYRON


— Quem bate? — "A noite é sombria!"
— Quem bate?-"É rijo o tufão!..."
Não ouvis? a ventania
Ladra à lua como um cão.
" — Quem bate?-"O nome qu'importa?
Chamo-me dor... abre a porta!
Chamo-me frio... abre o lar!
Dá-me pão... chamo-me fome!
Necessidade é o meu nome!"
— Mendigo! podes passar!

"Mulher, se eu falar, prometes
A porta abrir-me?"-Talvez.
— "Olha... Nas cãs deste velho
Verás fanados lauréis
Há no meu crânio enrugado
O fundo sulco traçado
Pela c'roa imperial.
Foragido, errante espectro,
Meu cajado — já foi cetro!
Meus trapos — manto real!"

— Senhor, minha casa é pobre...
Ide bater a um solar!
— "De lá venho... O Rei-fantasma
Baniram do próprio lar.
Nas largas escadarias,
Nas vetustas galerias,
Os pajens e as cortesãs
Cantavam!... Reinava a orgia!...
Festa' Festa! E ninguém via
O Rei coberto de cãs!"

— Fantasmas! Aos grandes, que tombam,
É palácio o mausoléu!
— "Silêncio! De longe eu venho...
Também meu túmulo morreu.
O séc'lo - traça que medra
Nos livros feitos de pedra —
Rói o mármore, cruel.
O tempo - Átila terrível
Quebra cota pata invisível
Sarcófago e capitel.

"Desgraça então para o espectro,
Quer seja Homero ou Sólon,
Se, medindo a treva imensa
Vai bater ao Panteon...
O motim — Nero profano—
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis.
Da guerra nos paroxismos
Se abismam mesmo os abismos
E o morto morre outra vez!

'Então, nas sombras infindas,
S'esbarram em confusão
Os fantasmas sem abrigo
Nem no espaço, nem no chão...
As almas angustiadas,
Como águias desaninhadas,
Gemendo voam no ar.
E enchem de vagos lamentos
As vagas negras dos ventos,
Os ventos do negro mar!

"Bati a todas as portas
Nem uma só me acolheu!...
— "Entra!: Uma voz argentina
Dentro do lar respondeu.
— "Entra, pois! Sombra exilada,
Entra! O verso é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.
A estrofe: é a púrpura extrema,
Último trono: é o poema!
Último asilo: a Canção!..."

Castro Alves